Stephen Hawking nos deixou em meados de março de 2018 aos 76 anos. Muitos artigos já foram escritos sobre ele, sem excluir meu trabalho recente:
Começando a escrever os artigos mencionados, me deparei com o seguinte material que escrevi há vários anos, que descreve a herança científica de Stephen Hawking. Uma revista a solicitou quando Hawking adoeceu, e todo mundo pensou que ele morreria - não era a primeira vez, e toda vez que todos estavam enganados. Estou certo de que este artigo nunca foi lançado, então aqui está!
O legado científico de Stephen Hawking
Stephen Hawking é um exemplo raro de um cientista que é ao mesmo tempo uma celebridade e um fenômeno cultural. No entanto, ele também é um exemplo raro de um fenômeno cultural com fama merecida. Suas contribuições podem ser descritas de maneira muito simples: Hawking fez mais contribuições à nossa compreensão da gravidade do que qualquer físico desde Albert Einstein.
E a palavra "gravidade" é muito importante aqui. Durante grande parte da carreira de Hawking, os físicos teóricos estavam geralmente mais interessados na física de partículas e em outras forças da natureza - eletromagnetismo e interações nucleares fortes e fracas. A gravidade "clássica", que ignorava as complexidades da mecânica quântica, foi totalmente descrita por Einstein em sua teoria geral da relatividade, e a gravidade "quântica" (a versão quântica da teoria geral da relatividade) parecia muito complicada. Aplicando seu incrível intelecto à força mais conhecida da natureza, Hawking conseguiu produzir vários resultados que surpreenderam muito a comunidade inteira.
Sem dúvida, o resultado mais importante do trabalho de Hawking foi o entendimento de que os buracos negros não são completamente negros - eles emitem, como objetos comuns. Antes deste trabalho, ele provou importantes teoremas sobre BH e singularidades, e depois estudou o Universo como um todo. Em cada fase de sua carreira, ele fez uma ou outra contribuição fundamental para a ciência.
Período clássico
Enquanto trabalhava em sua tese de doutorado em Cambridge em meados da década de 1960, Hawking se interessou por questões sobre a origem e o destino final do universo. Uma ferramenta adequada para investigar esse problema foi GR, a teoria do espaço, tempo e gravidade de Einstein. Segundo a relatividade geral, o que percebemos como gravidade é um reflexo da curvatura do espaço-tempo. Entendendo como a curvatura é criada pela matéria e pela energia, podemos prever a evolução do universo. Isso pode ser dito como o período "clássico" de Hawking, a fim de contrastar a relatividade geral clássica e seus estudos posteriores no campo da teoria quântica de campos e da gravidade quântica.
Na mesma época, Roger Penrose, de Oxford, conduziu uma prova notável: de acordo com a GTR, sob uma ampla gama de condições, o espaço e o tempo entrarão em colapso e formarão uma singularidade. Se a gravidade é a curvatura do espaço-tempo, a singularidade é um ponto no tempo em que essa curvatura se torna infinitamente grande. O teorema mostrou que as singularidades não eram apenas algumas maravilhas; eles são uma propriedade importante da GR.
O resultado de Penrose foi aplicado aos buracos negros - seções do espaço-tempo nas quais o campo gravitacional se mostra tão forte que nem a luz pode escapar dali. Dentro do buraco negro, uma singularidade espreita no futuro. Hawking pegou a idéia de Penrose e a virou de dentro para fora, enviando-a para o passado do Universo. Ele mostrou que, nas mesmas condições gerais, o espaço deveria emergir de uma singularidade: o Big Bang. Os cosmólogos modernos dizem (e confundem a todos) tanto sobre o modelo do Big Bang, que é uma teoria de muito sucesso que descreve a evolução de um universo em expansão ao longo de bilhões de anos, quanto sobre a singularidade do Big Bang, uma compreensão da qual ainda não podemos nos orgulhar.
Então Hawking voltou sua atenção para os buracos negros. Outro resultado interessante dos cálculos de Penrose foi que a energia pode ser extraída de um buraco negro em rotação, extraindo essencialmente energia de sua rotação até parar. Hawking conseguiu mostrar que, embora seja possível extrair energia, a região do horizonte de eventos ao redor da BH aumentará em qualquer processo físico. Esse "teorema da área" era importante em si e em relação a um campo completamente diferente da física: a termodinâmica estudando a transferência de calor.
A termodinâmica obedece a um conjunto de leis famosas. Por exemplo, a primeira lei diz que a energia é conservada e a segunda que a entropia - uma medida da desordem do universo - em um sistema fechado nunca diminui. Trabalhando com
James Bardin e
Brandon Carter , Hawking propôs um conjunto de leis da "mecânica dos buracos negros" semelhantes à termodinâmica. Como na termodinâmica, a primeira lei da mecânica de BH garante a conservação de energia. A segunda lei, o teorema de Hawking Square, sugere que a área do horizonte de eventos nunca diminui. Em outras palavras, a área do horizonte de eventos de BH é muito semelhante à entropia de um sistema termodinâmico - eles aumentam com o tempo.
Evaporação do buraco negro
Hawking e seus colegas estavam orgulhosos das leis da mecânica de BH, mas consideravam que elas eram apenas uma analogia formal, e não uma conexão literal entre gravidade e termodinâmica. Em 1972,
Jacob Beckenstein , graduado na Universidade de Princeton, sugeriu que havia mais do que isso. Com base em experiências brilhantes de pensamento, ele sugeriu que o comportamento de BH não é apenas semelhante à termodinâmica, é termodinâmica. Em particular, BH tem entropia.
Como muitas idéias ousadas, essa ideia encontrou resistência de especialistas - e naquele momento Stephen Hawking era o especialista mundial em BH. Hawking estava cético em relação a ela, e por boas razões. Se a mecânica de BH acabou sendo uma forma de termodinâmica, isso significa que BH tem uma temperatura. E objetos com temperatura emitem - a famosa "radiação do corpo negro", que desempenhou um papel central no desenvolvimento da mecânica quântica. Portanto, se Bekenshtein estivesse certo, isso significaria que o buraco negro não é realmente preto (embora o próprio Bekenshtein não tenha ido tão longe em suas declarações).
Para abordar seriamente esse problema, é necessário expandir a atenção além dos limites da relatividade geral, uma vez que a teoria de Einstein é puramente "clássica" - ela não inclui as idéias da mecânica quântica. Hawking sabia que os físicos russos
Alexei Starobinsky e
Yakov Zeldovich estavam estudando efeitos quânticos perto de buracos negros e
previam um efeito como "superradiação". Assim como Penrose mostrou que a energia pode ser extraída de um buraco negro em rotação, Starobinsky e Zeldovich mostraram que os buracos negros em rotação podem emitir espontaneamente radiação devido aos efeitos da mecânica quântica. Hawking não era um especialista nas técnicas da teoria quântica de campos, porque naquela época os especialistas em física de partículas, e não na relatividade geral, entendiam esse campo. Mas ele estudou rapidamente e avançou na difícil tarefa de entender os aspectos quânticos de BH, a fim de encontrar um erro de Bekenstein.
Em vez disso, ele se surpreendeu e, no processo, virou a física teórica de cabeça para baixo. Ele descobriu que Bekenstein estava certo - BH tem entropia - e que as incríveis conseqüências dessa idéia também eram verdadeiras - os buracos negros não são completamente negros. Hoje chamamos essa propriedade de BH de "entropia Beckenstein-Hawking" e eles emitem "radiação Hawking" em sua "temperatura Hawking".
"Nos dedos", podemos entender a radiação Hawking da seguinte forma. A mecânica quântica diz (entre outras coisas) que um sistema não pode ser levado à força a um determinado estado clássico; sempre há uma incerteza interna no que você vê quando olha para ele. Isso é verdade mesmo para o espaço vazio - se você olhar com bastante atenção, o que parecia ser um espaço vazio será preenchido com "partículas virtuais" que constantemente aparecem e desaparecem. Hawking mostrou que perto da BH um par de partículas virtuais pode se separar, e uma delas cai na BH e a outra foge como radiação. É surpreendente que, do ponto de vista de um observador externo, uma partícula que cai para dentro tenha energia negativa. Como resultado, a radiação gradualmente retira a massa da BH - e evapora.
O resultado de Hawking teve um impacto óbvio e notável no nosso entendimento de BH. Em vez de se tornarem um beco sem saída cósmico no qual matéria e energia desaparecem para sempre, eles se tornaram objetos dinâmicos que mais cedo ou mais tarde desaparecem completamente. Mais importante para a física teórica, essa descoberta levantou uma questão à qual ainda não temos resposta: quando a matéria cai no buraco negro e depois o buraco negro desaparece completamente, para onde vão as informações?
Se você pegar a enciclopédia e jogá-la no fogo, poderá considerar que as informações contidas nela desapareceram para sempre. Mas, de acordo com as leis da mecânica quântica, ela não desapareceu em lugar algum; se você pudesse captar todas as partículas de luz e cinzas emergentes do fogo, em princípio, poderia recriar com precisão tudo o que caía no fogo - até as páginas do livro. Mas BH, se você aceitar o resultado do Hawking, como está, destrói completamente as informações - pelo menos do ponto de vista do mundo exterior. Esse enigma é chamado de "paradoxo da informação" e atormenta os físicos há décadas.
Nos últimos anos, o progresso na compreensão da gravidade quântica (no nível dos experimentos mentais) convence um número crescente de pessoas de que as informações são armazenadas. Em 1997, Hawking discutiu com os físicos americanos Kip Thorne e John Preskil; Hawking e Thorne disseram que as informações estão sendo destruídas, Presquil disse que as informações são armazenadas. Em 2007, Hawking sucumbiu e admitiu que as BHs não estão realmente destruindo informações. No entanto, Thorne não desistiu e o próprio Preskill acredita que essa conclusão foi prematura. A radiação e entropia de BH permanecem centrais na busca por um melhor entendimento da gravidade quântica.
Cosmologia quântica
O trabalho de Hawking sobre a radiação de BH foi baseado em uma mistura de idéias quânticas e clássicas. Em seu modelo, BH é avaliado do ponto de vista clássico, de acordo com as regras da relatividade geral. Nesse caso, partículas virtuais próximas a BH são estimadas de acordo com as regras da mecânica quântica. O objetivo final de muitos físicos teóricos é construir uma verdadeira teoria da gravidade quântica, na qual o próprio espaço-tempo seria parte de um sistema quântico.
E se existe um lugar em que a mecânica quântica e a gravidade desempenham um papel crucial, então este é o começo do universo. E é precisamente essa questão, que não é surpreendente, que Hawking dedicou a última parte de sua carreira. E com isso, ele aprovou um plano de trabalho para um projeto físico ambicioso para entender as origens do universo.
Na mecânica quântica, um sistema não tem localização ou velocidade; seu estado é descrito pela "função de onda", que nos diz a probabilidade de que, ao medir o sistema, obteremos uma determinada localização ou velocidade. Em 1983, Hawking e James Hartle publicaram um trabalho sob o título simples: "A Função Onda do Universo". Eles propuseram um procedimento simples, baseado no qual - em princípio! - Seria possível calcular o estado de todo o universo. Não sabemos se a função de onda Hartle-Hawking é realmente uma descrição correta do universo. Como não temos uma teoria completa da gravidade quântica, nem sabemos se esse procedimento é significativo. Mas o trabalho deles mostrou que podemos falar sobre o início da existência do Universo em termos científicos.
Estudar as origens do universo oferece a possibilidade de combinar a gravidade quântica com as características observáveis do universo. Os cosmologistas acreditam que pequenas mudanças na densidade da matéria, desde os primeiros tempos, cresceram gradualmente na distribuição de estrelas e galáxias que observamos hoje. Uma teoria completa da origem do Universo poderia prever essas mudanças, e a implementação desse programa é uma das principais ocupações dos físicos modernos. Hawking fez várias contribuições para esse programa, tanto do lado de sua função de onda do Universo, quanto no contexto do modelo de "universo inflacionário" proposto por Alan Gut.
Apenas falar sobre a origem do universo é uma ação provocativa. Dá origem à esperança de que a ciência seja capaz de fornecer uma descrição completa e auto-suficiente da realidade - e essa esperança vai além do escopo da ciência e se encontra no campo da filosofia e da teologia. Hawking, que sempre gostou de provocações, nunca teve vergonha de tais consequências. Ele gostava de recordar a conferência sobre cosmologia realizada no Vaticano, na qual o papa João Paulo II supostamente pediu aos eruditos reunidos que não se aprofundassem na origem do universo, "já que era um momento de criação e, portanto, obra das mãos de Deus". Mas esses avisos nunca pararam Hawking; ele viveu sua vida em uma busca incansável por respostas para as questões científicas mais fundamentais.